Estávamos de viagem marcada para o Irão quando irromperam os protestos sobre a morte de Masha Amini, no dia 17 de setembro. Alegadamente, a jovem curda foi presa por estar a usar mal o hijab e, após ter sido violentada por parte da polícia, acabou por morrer. Não tardou até que as mulheres de todo o país saíssem às ruas em protestos contra o regime, assente no lema “Mulher, Vida, Liberdade”. Tínhamos o bilhete comprado desde Julho e, face a esta situação, começamos a ponderar se deveríamos ir. A viagem seria só em dezembro, o que nos permitiu ter algum tempo para acompanhar a situação e tomar uma decisão. Mas a questão imperava – seria seguro viajar para o Irão?
As notícias – sempre catastróficas
Comecei a acompanhar com mais atenção as notícias sobre o Irão. O cenário era sempre dramático – protestos atrás de protestos, promessas de uma revolução que estava prestes a rebentar, o número de detidos constantemente a aumentar e, impreterivelmente, o número de mortos também. 15 estrangeiros presos, por entre os quais ingleses, italianos e franceses, por alegadamente terem apoiado os protestos. Os turistas serviam agora de moeda de troca para com os respetivos países, em troca da retirada das sanções económicas impostas ao Irão. E quanto mais o tempo passava, menos eu conseguia tirar os olhos das notícias das notícias.
Na semana que antecedeu a viagem, terceira semana de Novembro, uma série de protestos eclodiu com ainda mais vigor. Fazia 3 anos desde a última onde de manifestações, em 2019, e o povo saiu novamente à rua para assinalar a data. E uma vez mais – protestos, presos, mortos, … Faltava uma semana!
O conselho dos que lá vivem
Sabia que as notícias são sempre negativas, mas nem sempre realistas, por isso decidi questionar aqueles que lá vivem e que afinal, são o rosto por detrás dos protestos – os iranianos. Afundei-me em dezenas de grupos de Facebook e fóruns do Couchsurfing, sempre com a mesma pergunta – “Tenho uma viagem marcada para o Irão, é seguro ir?”
Por aqui, as opiniões dividiam-se num rácio generoso. 60% das pessoas diziam-nos que era seguro fazer a viagem, que os protestos eram entre o povo e o governo e que em nada afetavam os estrangeiros. Já a parcela mais pequena recomendava-nos cancelar a viagem e esperar pela revolução que estava para vir, com a promessa de um futuro país finalmente democrático. Não obstante, a maioria dos iranianos nestes grupos estão de alguma forma ligados ao turismo – ou são guias, ou motoristas, ou donos de hotéis. Até que ponto não poderia haver aqui um enviesamento?
Quaisquer que fossem as opiniões, todos nos davam as mesmas recomendações:
- Não participar em protestos;
- Não fotografar protestos nem polícias/ militares;
- Não falar de política.
Três simples regras, que estava disposta a cumprir, caso a viagem se afigurasse.
A experiência dos turistas
Ainda assim, fui procurar a opinião de estrangeiros que estavam naquele momento a viajar no país. Em especial porque os locais, apesar de serem honestos e de nos darem sempre a sua perspetiva, estão numa bolha. Uma bolha que é necessariamente diferente da bolha em que um turista se encontra quando está num país tão diferente.
Sabia de algumas pessoas que tinham estado no Irão e fui procurar ainda mais contactos nos grupos de Facebook. A opinião, aqui, era mais clara – todos tinham viajado sem nenhum problema.
“Se não soubesse dos problemas que o país atravessa, não adivinharia o que se está a passar”. “As pessoas estão tristes, e isso nota-se, mas não sentimos insegurança”. Assim foram a maioria das opiniões.
Com a exceção de uma – alguém, que conheceu um outro alguém que viu um grupo de turistas franceses a serem presos enquanto tomavam tranquilamente o pequeno-almoço. Este último relato, a três dias da viagem, assustou-me e quase me fez desistir. Queria acreditar que os turistas presos estavam de alguma forma ligados aos protestos – ou por terem participado neles, ou por os terem fotografado ou até por apenas terem partilhado as suas opiniões nas redes sociais. Mas estamos a falar de um regime teocrático islâmico fundamentalista onde, infelizmente, tudo é possível, incluindo ser preso sem razão.
A linha que separa o risco da irresponsabilidade
A minha principal preocupação estava em tentar perceber onde está a linha entre um risco controlado e um risco demasiado alto. A partir de que ponto é que fazer esta viagem se tornava num ato de irresponsabilidade? A partir de que ponto é que estava a pôr a minha vida em risco? Quantas manifestações mais precisava de ver, quantas histórias mais precisava de ouvir para desistir?
No mês que antecedeu a viagem, estive mais desperta do que nunca para as notícias internacionais. Um sismo na Indonésia, um bombardeamento na Tailândia, um comboio descarrilado na Índia, um acidente de avioneta na Colômbia. Poderia estar em todos eles (e na verdade já estive em dois). Três dias antes da viagem, um jovem casal morreu tranquilamente no seu lar, alvo de um estúpido desabamento de terra, em Esposende, Portugal. Afinal, o perigo não está ao virar da esquina? O perigo não trespassa fronteiras, regimes e protestos e ataca a qualquer momento, ceifando a vida de inocentes, sem dó nem piedade?
Não obtive resposta para as dúvidas que ecoavam na minha mente. Não consegui encontrar a fronteira que separa o risco da irresponsabilidade. Ainda assim, tive de tomar uma decisão, e tomei – ir.
Tal como disse o escritor Vasco Callixto no seu livro “Viagem ao Leste da Europa” (1967) – “Vamos ver como é, para contar como é que foi”.
Estava na hora de fazer a mochila.
Este texto foi escrito no dia 26 de novembro, dia em que voamos para Teerão. Se o estão a ler agora, é porque correu tudo bem, e estamos já na Turquia. Não foi um ato de coragem, mas sim uma decisão arriscada. Correu bem, mas podia ter corrido mal. E se corresse mal passava de um ato de coragem para um ato de irresponsabilidade. Tenho a plena consciência de que foi uma decisão arriscada, por entre muitas que tomamos na vida.
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Gostei do texto, agora quero ler os relatos do dia a dia em Irão.
Vamos lá saber quão arriscado realmente foi
Bora la saborear essa aventura