“Não fales com desconhecidos”, “Tem cuidado com a mochila”, “Vão por droga no teu casaco”, “Podes ser violada”…
Chegaram até a dizer-me que eu ia acordar sem um rim. De acordo com os últimos filmes, havia uma alta probabilidade de me drogarem e me operarem. Acordaria com uma cicatriz na barriga e um rim a menos. Disseram-me isto várias vezes antes de ir para a Tailândia (muito incentivador como podem imaginar). Todo este receio e medo pelo desconhecido é legítimo e faz parte do ser humano. Porém, é também preciso colocarmos o ceticismo de lado e sabermo-nos abrir para a pessoa que está ao nosso lado, quer seja num autocarro, restaurante, etc. Mas nem sempre é fácil e temos, geralmente, tendência para desconfiar. Quando parti para a Tailândia supus que iria conhecer pessoas novas mas também tinha receio e pretendia manter “aquela distância”, de forma a salvaguardar-me.
No voo de Istambul para Banguecoque partilhei o lugar do avião com um senhor tailandês. Pouco depois de termos embarcado, este senhor, um pouco intrigado por ver uma rapariga tão nova sozinha, começou a falar comigo. Disse-lhe que era portuguesa e que estava a viajar para a Tailândia porque queria conhecer o seu país. Bem, ele ficou apoplético quando soube que eu estava sozinha. Inundou-me com perguntas, sobre o que é que ia lá fazer, se os meus pais sabiam onde eu estava, etc etc. Disse-me que o nome dele era complicado de pronunciar e portanto podia chamar-lhe Ball. Pelos vistos era assim que se apresentava para os ocidentais. Achei aquele questionário muito estranho e rapidamente assumi uma posição de defesa e com parcas respostas deixei por ali a conversa. O voo era noturno e entretanto, após uma noite de sono, aterramos em Banguecoque. No momento em que estamos a levantarmo-nos para sair do avião, reparo que o senhor que estava ao meu lado enveredava uma espécie de farda, estilo militar. Qual não é o meu espanto quando ele me aborda novamente com um singelo bilhete com o seu nome, contacto telefónico e e-mail, dizendo-me “Se precisar de alguma coisa não hesite em contactar-me, tenho alguns contactos com embaixadas europeias e poderei ajudá-la”. Caiu-me a ficha por completo. Estava ali eu, toda contente para me abrir para o mundo e viver uma grande aventura e logo no primeiro momento assumi uma postura arrogante e desconfiada, fruto de uma sociedade que não sabe olhar para o lado. Pois aquele senhor soube olhar para o lado. E eu não lhe dei o devido valor. Agradeci a ajuda e guardei o bilhete. Bolas, já estava sabida a primeira lição: antes de desconfiar, confia, dá crédito.
Parece que o mundo não está assim tão cheio de perigos e pessoas más como dizem. Em vez de voltar sem um rim, voltei com muitos sorrisos de pessoas que, sem me conhecerem de lado nenhum, de alguma forma me quiseram prestar ajuda. Pessoas autênticas, sem filtros. Felizmente, não precisei de entrar em contacto com o Ball. Umas semanas depois de ter chegado a Portugal recordei esse momento e contactei-o. Disse-lhe que já tinha voltado, que tinha adorado conhecer o seu país e pedi-lhe desculpa pela minha atitude talvez um pouco fria. Respondeu-me, dizendo-me que ficava feliz por saber que eu estava bem, e pedindo-me também desculpa pela abordagem demasiado interventiva. Porém, naquele momento, havia-se colocado no lugar dos meus pais e não conseguiu esconder o receio. Percebo-o.