A cidade do Cairo vai deixar de ser a capital do Egito. O presidente Abdel Fattah al-Sisi empreendeu a construção de uma Nova Capital Administrativa, uma cidade absolutamente megalómana, onde só as elites terão lugar. Uma estratégia do atual regime para concentrar o seu poder e impedir manifestações similares àquelas que aconteceram em 2011 e que levaram à queda do regime de Hosni Mubarak.
Cairo, uma cidade a rebentar pelas costuras
A cidade do Cairo, atual capital do Egito, não tem casas a medir para todos os seus habitantes. Durante as últimas décadas, o Cairo assistiu ao êxodo rural que deslocou milhares de cidadãos dos campos para a cidade, em busca de melhores condições de vida.
Sem um ordenamento sustentável por parte do governo, e sem melhores opções onde habitar, os seus habitantes acabaram por se espalhar por toda a parte. Hoje, há pessoas a viver em autênticas lixeiras, cemitérios e até debaixo de pontes. Tudo conta quanto o tema é ter um teto.
Num país onde a população já ultrapassou a barreira dos 100 milhões, a capital conta com mais de 20 milhões de habitantes, tornando-se na cidade mais povoada do continente africano. Atingiu-se um ponto de saturação tal que parece não ter retorno.
O perigo iminente de uma cidade sobrepopulada
Apesar de os edifícios governamentais estarem espalhados por toda a cidade, grande parte deles, pelos menos os mais importantes como o Parlamento e o Ministério da Justiça, estão situados junto à praça Tahir. Foi aqui que, em 2011, inflagraram os protestos da Primavera Árabe, que levaram à queda do regime de Hosni Mubarak e às primeiras eleições democráticas no país.
A falta de organização urbana da cidade teve um papel preponderante no desenrrolar destas manifestações. Durante os confrontos de 2011, várias esquadras da polícia foram ocupadas e pilhadas pelos manifestantes. A sua localização, em bairros de lata e áreas de baixos rendimentos, facilitou a ocupação. Estes ataques colidiram com o esgotamento das Forças de Segurança, que por sua vez levou ao sucesso das manifestações.
O atual presidente Abdel Fattah al-Sisi, e atual líder do presente regime, sabe disso melhor do que ninguém. Sabe que a cidade do Cairo é insustentável e que a sua própria organização favorece confrontos em massa. E foi esta a razão que levou Abdel al-Sisi a construir uma Nova Capital Administrativa, num esforço para fortalecer o regime e afastar qualquer tipo de pressões sociais.
Novo Cairo, a nova capital administrativa do Egito
A nova capital do Egito foi construída em pleno deserto, a 37 quilómetros a este da atual capital. A Novo Cairo promete ser um centro de poder, longe dos problemas socio-económicos do seu antecessor. Com um orçamento de 58 mil milhões de dólares, esta cidade administrativa é uma construção absolutamente faraónica.
O complexo administrativo conta com todos os ministérios dispostos lado a lado, ao longo de uma imensa avenida, com o parlamento numa das pontas e o Banco Central na outra. A zona norte da nova cidade será a base da residência presidencial, com múltiplos palácios e jardins inteiramente dedicados ao presidente, a figura mais poderosa do país.
Mas a parte mais surpreendente desta enorme cidade está reservada à instituição mais poderosa do Egito, o Exército. O Ministério da Defesa foi construído sobre a forma de octógono com 10 edifícios. Assim que estiver construída, esta será o maior complexo de defesa de todo o mundo, ultrapassando mesmo o tamanho do Pentágono nos EUA.
Mais do que a simples construção de uma cidade, a Novo Cairo representa uma reestruturação urbana do próprio regime. Os centros residenciais da nova capital oferecem apartamentos no valor de 60 mil euros, um valor absurdo num país onde o Produto Interno Bruto (PIB) per capita chega apenas ao 3 mil euros. Esta nova capital pretende isolar a maioria dos cidadãos dos centros políticos e construir uma cidade para elites.
Com uma capacidade para 6 milhões de habitantes, os primeiros funcionários públicos já começaram a ser transferidos para os novos centros residenciais em julho de 2021. Junto aos complexos de habitação existirá também um enorme parque verde, com cerca de 6 vezes o tamanho do Central Park, nos EUA, e com um rio artificial inspirado no Nilo. Mais do que uma cidade inovadora, a nova capital será um símbolo da desigualdade social que abala o Egito.
Em 2030 prevê-se que um enorme obelisco, em homenagem à antiga civilização egípcia, esteja construído. Se assim se verificar, este tornar-se-á na mais alta construção do mundo, com exatamente 1 quilómetro de comprimento.
Uma cidade de inovação ou uma zona tampão?
Este empreendimento megalómano visa acima de tudo fortalecer o regime e conter possíveis revoltas urbanas, similares às que aconteceram em 2011. O povo representa a maior ameaça ao regime de Sisi. Afinal, são estes que podem irromper greves, iniciar confrontos violentos e desencadear manifestações incontroláveis.
A nova capital do Cairo é nada mais do que um tampão demográfico, com o objetivo de afastar a população dos centros de poder e de centralizar a riqueza. É uma forma de alterar a demografia das principais zonas da cidade, nomeadamente as de maior influência e que precisam de ser protegidas. Gera-se, assim, um centro de poder, uma base de apoio ao regime, inacessível à maioria dos cidadãos.
Do ponto de vista internacional, ninguém tem coragem de fazer frente ao país que detêm o controle do canal de Suez, o principal motor da economia mundial.
Assim, os pobres permanecerão no Cairo, entregues a uma cidade insustentável, saturada e sem recursos onde será impossível viver com dignidade. A Nova Capital Administrativa do Cairo é uma cidade paga por todos mas apenas acessível às elites.
Um colossal empreendimento que não passa de uma estratégia militar que pretende impedir uma segunda Primavera Árabe.
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