(Esta viagem é muito mais do que uma viagem. É uma experiência de vida. Uma espécie de viagem interior. Alguém disse um dia que “queremos dar a volta ao mundo mas o mundo é que nos dá a volta a nós”. E é muito isto. Estou aqui mais para me descobrir do que propriamente para conhecer lugares. Estou aqui para ouvir histórias, para ver rostos, para conhecer aquilo que é diferente e para descobrir o meu lugar no mundo. Sou também adepta de listas, sejam elas de que tipo for. E desde que cá estou que tenho feito uma lista sobre as lições que tenho aprendido nesta minha jornada pelo mundo. Inicio aqui uma série de textos sobre tudo aquilo que me têm feito refletir, tudo aquilo que tenho aprendido. Provavelmente sobre tudo aquilo que irá moldar o meu futuro e a minha vida. Se este é um blog sobre a minha experiência pessoal e se esta viagem é também uma viagem interior, acho que faz todo o sentido partilhá-los aqui. Espero que gostem 😊)
Sermos tolerantes, condescendentes, complacentes, compreensivos, blablabla. Ouvimos isto uma centena de vezes na nossa vida e quase todos nós nos consideramos pessoas tolerantes e respeitadoras da diferença. Mas, será que somos realmente tolerantes? Afinal, o que é ser tolerante? Qual é o limite da nossa tolerância? E em última instância, já foi, alguma vez, a nossa capacidade de tolerar testada?
Por vezes acho que fazemos um mau uso desta palavra quando todos nos consideramos tolerantes sem nunca termos refletido sobre o que é que isso implica. Há um caso prático em que quase ninguém consegue ser tolerante, mesmo por aqueles que à partida se consideram compreensivos para com a diferença: na política. Imaginem uma conversa com um conhecido ou um amigo que defende o nazismo, ditaduras, limpezas raciais, e por aí fora. Qual é a nossa atitude imediata? A grande maioria das pessoas irá contradizer, referindo mil e um argumentos perfeitamente válidos, dos quais eu provavelmente também concordo. E não há nada de errado nisso, não sendo o facto de, em 99% dos casos, essa conversa gerar uma discussão. A determinada altura nenhuma das partes ouvirá a outra e ambas estarão apenas a vomitar os seus argumentos, na tentativa de mudar a opinião do outro. Ora, lamento, mas isto não é ser tolerante, nem é respeitar a opinião dos outros. Ser tolerante implica escutar a opinião do outro e dar a conhecer o nosso ponto de vista e os nossos argumentos sem o intuito de mudar a sua opinião. E é aqui que acaba a nossa capacidade de tolerância, quando começamos a destilar os nossos argumentos com o intuito de moldar a perspetiva do outro, sem colocarmos em causa que também a nossa poderá ser mudada pelos argumentos dele. E isto tem de ser válido quer estejamos a discutir sobre nazismo ou sobre o melhor restaurante de Lisboa.
Em política isto é quase impossível de conseguir. Porém, noutros temas como diferenças religiosas, diferenças culturais, etc, somos tendencialmente mais tolerantes. E creio que isto aconteça porque na política nós conhecemos bem os dois lados da moeda. No que toca ao resto, essa é uma realidade que está bem mais distante do nosso quotidiano. Afinal, é muito fácil dizer que respeitamos todas as religiões do mundo, mas convenhamos, provavelmente ninguém desse lado tem um amigo que andou aí a matar uma catrefada de pessoas em prol da religião. Pois bem, mas é aí que a nossa capacidade de tolerância começa a ser testada.
Nesta viagem tenho conhecido muitos israelitas, mais ou menos da minha idade. Em Israel há serviço militar obrigatório aos 18 anos, de 2 anos para mulheres e 3 para homens. Quase todos, depois de cumprirem o serviço, fazem uma viagem longa, antes de ingressarem na universidade ou de procurarem emprego. Qualquer pessoa que esteja a viajar por aqui vai conhecer israelitas. Logo no início da minha viagem, em Chiang Mai, conheci uma israelita, a Hen, que estava nessa mesma situação. Foi a primeira israelita que conheci e na altura não sabia que ia encontrar um milhão deles pelo caminho. Acabei por lhe fazer imensas perguntas quer sobre a vida no exército, sobre como havia sido aprender a usar uma arma, sobre a questão política da Israel para com a Palestina, e, por último, se ela, porventura, tinha matado alguém lá. Ela disse-me que não pois, sendo mulher, só seria recrutada para as frentes de guerra em última instância. Mas contou-me como as regras eram constantemente violadas nessas mesmas frentes: matar é a última opção disponível e, nesse caso, mata-se com um tiro. Mas na verdade não é assim que funciona e crimes de guerra são cometidos todos os dias.
Uns tempos mais tarde, já no Laos, fiz uma viagem de 9h de autocarro com 10 israelitas, eu era a única não-israelita. Paramos para almoçar em Luang Prabang e convidaram-me para almoçar com eles na sinagoga e eu aceitei. Lá estava o rabino, e outras pessoas que julguei serem judias. A dada altura estava lá a falar com um rapaz que me perguntou qual era a minha opinião em relação aos problemas de Israel. Estranhei a pergunta, normalmente esta malta não se sente confortável a falar sobre isto. De certa forma, estão aqui para viajar e passar à frente essa fase da vida deles. Respondi-lhe e a conversa estava então lançada. Acabei por lhe fazer a mesma pergunta que fiz à Hen,
– Mataste alguém?
– Só Deus sabe. Disse ele, enquanto levantava a cabeça e olhava para o céu.
E fiquei ali, meia que prostrada, sem saber o que dizer. Aquele jovem tinha 23 anos e tinha combatido durante 2 anos na fronteira com a faixa de Gaza. Viu amigos de infância serem mortos com uma porrada de tiros. Carregou os corpos deles. E agora estava ali, pacificamente, a fazer a mesma viagem que eu.
Eu não sou a favor de matar, nem de guerras, nem de tudo o que viole os direitos humanos. Mas, naquela situação, quem era eu para levantar a minha voz, de menina que cresceu num país seguro com todas as regalias e mais alguma, e dizer-lhe que ele não devia matar? Porra, aquele miúdo, mais novo do que eu, carregou os corpos dos amigos que morreram à frente dele! Quem sou eu para apelar ao bom senso, à paz entre judeus e muçulmanos e a essa porra toda que apregoamos em voz alta no nosso país, rodeados da nossa família e amigos? E se fosse eu no lugar dele? Será que eu, depois de ver os meus amigos serem mortos, não iria também odiar muçulmanos? Será que eu não seria capaz de matar para defender o meu país?
Não fui capaz de dizer mais nada a não ser, “Pois, compreendo”. Talvez se tivéssemos tido mais tempo, ter-lhe-ia dado a minha opinião, talvez lhe tivesse dito que matar, seja por que motivo for, é mau! Mas não tivemos oportunidade e nunca mais nos vimos.
Isto não mudou os meus paradigmas nem passei a defender a morte de quem quer se seja. Continuo a achar que o diálogo e a troca de ideias são o principal motor de desenvolvimento de uma sociedade. E acredito que uma conversa respeitadora poderá abrir mentes, mudar perspetivas e levar-nos para uma posição onde todos possamos ser mais livres, mais tolerantes, e com iguais deveres e direitos. Acredito também que a tolerância tem de ter limites pois, se insurgimos numa tolerância relativista, o bem e o mal ou a mentira e a verdade facilmente se equivalem. Tem de haver uma base sólida que sustente os nossos valores. No meu ponto de vista, a tolerância acaba quando irrompe os direitos humanos, tal como aconteceu neste caso.
Mas, por outro lado, aprendi com isto que devemos enquadrar o papel do outro na sua realidade. Aquela pessoa tem um passado, uma educação e uma perspetiva de vida diferente da minha. Há que ter um determinado grau de aceitação para que a possamos enquadrar e só então, com o devido respeito, expressar a nossa opinião sem nunca tentar mudar a opinião do outro ou emergir em julgamentos. Mas não é fácil, pelo menos não tão fácil aquando estamos em Portugal a jantar com os nossos amigos, num clima de paz, a discutir o valor da tolerância. Porém, praticar a tolerância tornou-se para mim mais necessário.
És, sem dúvida, uma inspiração para mim! Obrigada!
Olá. Estou a pensar ir à Tailândia sozinha, passar uns dias de férias. Gostava que me desses umas luzes
Olá 🙂 Que tipo de dicas procura?