Como surgiu a oportunidade de escrever um livro de viagens

Como é que de um emprego em bioquímica comecei a escrever sobre viagens e como é que daqui saltei para a publicação de um livro de viagens

O primeiro excerto do meu livro aponta para uma citação famosa proferida por Agostinho da Silva, “Não faças muitos planos para a vida, pois podes estragar os planos que a vida têm para ti”. Ouvi-a, pela primeira vez, em 2017 e desde então que tento pautar a minha vida nesse sentido – guardando um espaço para o acaso, para a aleatoriedade, tentando não controlar, não prever tudo o que irá acontecer. E foi esta conduta que me fez saltar de um trabalho enquanto bioquímica para uma viagem de 9 meses pelo sudeste asiático. Neste artigo vou explicar como é que surgiu a oportunidade de escrever um livro de viages, como é que da  escrita de artigos de viagem me levou à publicação do livro “Solo,uma viagem de 254 dias pelo sudeste asiático”.

Quando terminei a minha tese de mestrado e decidi que faria um gap year, ao invés de entrar no mercado de trabalho, senti um vazio assustador. De um momento para o outro, não tinha nada para fazer, nenhum objetivo para atingir ou meta para cortar. A minha vida era uma página em branco e eu podia pintá-la da cor que quisesse. Depois do pânico inicial, senti-me livre. Afinal, podia dedicar aquele ano a fazer todas as coisas que andava a adiar há anos. Fosse por falta de tempo, de paciência ou de oportunidade. 

Durante os primeiros dias do meu gap year, andei um pouco confusa – muitas ideias, poucas certezas, a minha vida estava a derivar para algum lado mas eu ainda não sabia para onde. Depois de uma viagem pela europa central, que me permitiu refletir sobre o que queria fazer, regressei com algumas ideias na cabeça. Foi nesta altura que peguei numa cartolina e escrevi todas as coisas que gostava um dia de poder fazer. É uma pena já não ter essa mágica cartolina comigo… Mas lembro-me de algumas coisas que escrevi – “Começar a praticar meditação, tirar um curso de fotografia, começar um blog de viagens, voltar a escrever e, por último, fazer a viagem da minha vida”

Foi nesta viagem que comecei a escrever com mais regularidade e a perceber qual seria o meu estilo de escrita

Nesta altura, já tinha decidido que ia fazer uma viagem longa, sem prazos nem planos. Mas a viagem seria só para outubro e estávamos em março. Havia ainda 6 meses por preencher, onde teria de trabalhar, para juntar mais algum dinheiro, mas onde também havia espaço para outros projetos. E foi aí que a cartolina mágica entrou em ação. Decidi aproveitar o tempo que tinha livre para me dedicar a coisas que me davam prazer. E uma delas, era escrever.

Quando era miúda escrevia muito. Tinha muitos diários e orgulho-me de alguns textos bem conseguidos quando tinha uns 14 ou 15 anos. Mas com o tempo fui perdendo essa prática. A entrada para um curso de ciências exatas também não ajudou. Tornou a minha escrita mais prática, linear e objetiva e menos penetrável à curiosidade e imaginação. Mas a vontade de escrever estava algures por ali e decidi dedicar algum tempo a essa prática. Comecei por escrever artigos com dicas e informações práticas para este blog, algures em 2018. Alguns textos para o instagram, mas nada demais. Estava muito presa, ainda a apalpar terreno e a tentar perceber qual seria a minha forma de escrita.

Foi então que chegou o mês de outubro e começou a viagem. Estava profundamente feliz e deixei que isso se transportasse para a minha escrita. De textos mais informativos e práticos, passei para a escrita de algumas reflexões e pensamentos mais íntimos. Era mais eu. Quanto mais escrevia, mais facilidade tinha para continuar a escrever. Três meses depois de ter iniciado a viagem, o meu esforço, ainda que não o fizesse com esse objetivo, começou a ver alguns frutos – recebi  um convite para escrever artigos de viagens para outro blog, a troco de dinheiro. Na altura, fiquei surpreendida. Afinal, não só estavam interessados na minha escrita, como ainda me pagavam para escrever. Claro que aceitei e foi assim que, durante a viagem, ganhei algum dinheiro,  que me permitiu prolongá-la um pouco mais. 

Estava em Singapura, quando recebi a proposta para escrever um livro de viagens

Meses mais tarde, fui contactada por uma editora, com a proposta para possivelmente escrever um livro. Fiquei feliz, como é óbvio, mas também fiquei reticente. Afinal de contas, um livro é algo exigente, extenso, que requer muito conteúdo. Agradeci a proposta e fiquei de “pensar”, até chegar a Portugal.

Regressei em junho e com o final da viagem veio uma fase de adaptação exigente e complicada, e que descrevi já aqui. Só dois meses depois de estar em Portugal é que tomei a decisão de aceitar a proposta e de avançar com a escrita do livro. Com o apoio dos meus pais, fiquei 4 meses a escrevê-lo. Poucas pessoas sabiam que o estava a fazer, por vergonha. Afinal, quem era eu para escrever um livro? Nem sequer tinha formação na área e a única coisa que tinha era um blog de viagens. Tinha receio que não acreditassem que eu seria capaz de o fazer e por isso optei por não partilhar muito este facto. Hoje vejo que a primeira pessoa a desvalorizar-me fui eu, antes de qualquer pessoa o ter feito. 

Felizmente, não deixei que isso me toldasse em demasia e finalizei a escrita do livro em dezembro de 2019. Em 2020 encontrei um emprego na minha área e antes de conseguir criar uma vida normal, fomos arrebatados com uma pandemia sem precedentes. A editora que me havia prometido publicar o livro a custo zero retirou-se e eu fiquei com um manuscrito na gaveta, sem saber o que fazer. Durante algum tempo, não fiz nada. Os primeiros meses de 2020 foram instáveis para todos nós e eu deixei-me ficar. Só em julho de 2020, meses mais tarde e com o fim do primeiro confinamento, decidi procurar soluções. Era o mínimo que me devia, depois de tantos meses debruçada neste projeto. 

E assim escrevi uma sinopse, 10 linhas, com um resumo do livro. Escrevi uma apresentação minha, 10 linhas. Escolhi um título à sorte, Solo, soava-me bem. Passei o dia em frente ao computador a procurar editoras e a fazer uma lista com e-mails para onde pudesse enviar o manuscrito. Terminei o dia com 30 editoras, para onde enviei 30 e-mails, com o assunto “Submissão de Manuscrito”. Das 30 obtive apenas duas respostas – uma negativa, e uma positiva. Abracei a proposta positiva, já que não tinha mais nenhuma, e assim avançamos para a publicação. Não era uma publicação a custo zero, como a anterior, mas sim com risco partilhado. Quer isto dizer que eu paguei uma parte dos custos à editora, com a possibilidade de recuperar o investimento, com a venda de alguns livros a título pessoal, a partir das minhas redes sociais. 

Em dezembro de 2020 o “Solo” foi publicado pela editora Manufactura e em menos de um mês recuperei o investimento. Em setembro de 2021, menos de um ano depois, avançamos para a 2º edição.

A publicação do Solo, e o caminho que me levou até ele, têm um significado muito especial e encerram em si uma lição importante. Em primeiro lugar mostraram-me que eu era capaz de fazer mais coisas além daquilo para o qual estudei. Hoje em dia somos muitas vezes rotulados com a nossa profissão e apesar disso não ser propriamente negativo, pode cortar-nos as asas no que diz respeito a tentar coisas diferentes. Com isto, eu mostrei a mim mesma que não era só bioquímica e que tinha outras valências que poderia usar.

Em segundo lugar, mostrou-me o quão importante é dedicarmo-nos a coisas que nos dão prazer. Nem sempre o nosso trabalho ou profissão se alinha com aquilo que nos apaixona, é certo. Mas, ainda assim, julgo que é importante reservarmos algum tempo para fazer e explorar aquilo que nos dá prazer, ainda que de uma forma desinteressada, sem qualquer pretensão. Porque quando fazemos aquilo que gostamos, colocamos nisso uma dedicação e empenho extraordinários, que nos poderá levar longe. Poderemos obter frutos no futuro, mas também poderemos não obter. Mas, se não obtivermos, não faz mal porque, afinal, estávamos só entretidos a viver a vida. E, no final de contas, a vida é só e apenas isso, momentos vividos.

Se estiveres interessado em adquirir um exemplar do livro “Solo” podes enviar-me mensagem privada ou entrar em contacto comigo a partir das redes sociais.
 
O meu primeiro livro “Solo”, publicado em dezembro de 2020 pela editora Manufactura

Deixo-te aqui outros artigos que te podem interessar:

2 comentários em “Como surgiu a oportunidade de escrever um livro de viagens”

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top